
Hoje resolvi postar não um texto (na verdade trecho de um livro) meu, digo não escrito por minhas mãos mas partilhado como numa dimensão paralela com meu AMADO Fernando Pessoa. Ele que me descreve tão bem como se houvesse conhecido-me... Como nem eu o fiz...
" De repente, como se um destino médico me houvesse operado de uma cegueira antiga com grandes resultados súbitos, ergo a cabeça, da minha vida anônima, para o conhecimento claro de como existo. E vejo que tudo quanto tenho pensado, tudo quanto tenho sido é uma espécie de engano e de loucura. Marvilho-me do que não consegui ver. Estranho quanto fui e vejo que afinal não sou.
Olho como numa extensão ao sol que rompe nuvens, a minha vida passada; e noto, como um pasmo metafísico, com todos os meus gestos mais certos, as minhas idéias mais claras e os meus propósitos mais lógicos, não foram, afinal, mais que bebedeira nata, loucura natural, grande desconhecimento. Nem sequer representei. Representaram-me. Fui, não o ator, mas os gestos dele.
Tudo quanto tenho pensado, feito, sido, é uma soma de subordinações, ou o ente falso que julguei meu, porque agi dele para fora, ou de um peso de circunstâncias que supus ser o ar que respirava. Sou, neste momento de ver, um solitário súbito, que se reconhece desterrado onde se encontrou sempre cidadão. No mais íntimo do que pensei não fui eu.
(Fernando Pessoa - Livro do Desassossego)
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